segunda-feira, 14 de julho de 2008

Da revolução

“Mais recentemente, depois que a revolução tornou-se uma das ocorrências mais comuns na vida política de quase todos os países e continentes, a não incorporação da Revolução Americana à tradição revolucionária repercutiu na política exterior dos Estados unidos, que começa a pagar um preço muito elevado por esse desconhecimento mundial, e pelo esquecimento a que esse evento foi relegado dentro do próprio país. O problema torna-se particularmente incômodo quando verificamos que mesmo as revoluções ocorridas no continente americano falam e agem com se conhecessem ponto por ponto os textos das revoluções na França, na Rússia e na China, e nunca tivessem ouvido falar de uma Revolução Americana. Talvez menos espetaculares, mas certamente não menos reais são as conseqüências da atitude americana de esquecimento do fato de que foi uma revolução que deu origem aos Estados Unidos, e de que a república passou a existir não em função de alguma “necessidade histórica” ou de algum desenvolvimento orgânico, mas em conseqüência de um ato deliberado e intencional: a fundação da liberdade. Esse esquecimento é responsável, em grande parte, pelo intenso temor da revolução na América, pois é precisamente esse temor que dá às nações do mundo a convicção de que estão raciocinando corretamente quando avaliam as revoluções apenas em termos da Revolução Francesa. O temor de revolução tem sido o leitmotif da política exterior americana da após-guerra, em sua em suas desesperadas tentativas de estabilização do status quo, com a conseqüência de que o prestígio e o poder americanos vêm sendo usados malversados para apoiar regimes políticos corruptos e obsoletos que há muito se tornam objeto de ódio e do desprezo dos seus próprios cidadãos.” (173)

“Quando nos disseram que nós outros entendemos por liberdade a livre-empresa, pouco fizemos para rebater essa monstruosa falsidade, e, com muita freqüência, agimos como se nós também acreditássemos que era a abundância e a riqueza que estavam em jogo no conflito pós-guerra entra os países ‘revolucionários’ do Oriente e do Ocidente. Temos afirmado que a riqueza e o bem-estar econômicos são frutos da liberdade, quando devíamos ter sido os primeiros a saber que essa espécie de ‘felicidade’ já existia na América antes da Revolução, e que sua causa foi a abundância natural acompanhada de um ‘governo brando’, e não a liberdade política ou a desapoderada e irrefreada ‘iniciativa privada’ do capitalismo, o qual, na verdade, na ausência de riqueza natural, resultou, em toda parte, em infelicidade e pobreza das populações. Em outras palavras a livre empresa foi uma benção sem mácula apenas na América, e apenas uma benção diminuta, se comparadas com as liberdades verdadeiramente políticas, tais como a liberdade de expressão pensamento, ou de reunião e associação” (173-174)

“Portanto, em termos da Revolução Americana, a reação à proposta comunista de igualar ou superar os países ocidentais na produção de bens de consumo e em crescimento econômico devia ter sido de regozijo pelas novas e promissoras perspectivas que se abrem para o povo da União Soviética e seus satélite, de alívio em saber que a vitória sobre a pobreza, em escala mundial, podia ao menos constituir num tema de interesse para todos, para, em seguida, lembrar aos nossos oponentes que a disparidade entre dois sistemas econômicos não poderia dar margens a conflitos sérios, e que esses só surgem em razão do confronto entre liberdade e tirania, entre instituições de liberdade, nascidas da vitória triunfante de uma revolução, e as várias formas de dominação (da ditadura de um partido, de Lênin, ao totalitarismo de Stalim e às tentativas de Krushev em direção a um despotismo iluminado) que apareceram na esteira de uma derrota revolucionária.” (174)

“Os revolucionários dos séculos XIX e XX, em flagrante contraste com seus predecessores do séculos XVII, eram homens desesperados, e, em conseqüência disso, a causa da revolução atraía um número cada vez maior de desesperados, ou seja, ‘uma camada infeliz da população [...] que, durante a calmaria do governo regular, é relegada a um nível subumano, mas que, no tempestuoso cenário da violência civil, pode aflorar ao nível de humanidade e conferir supremacia de força a qualquer grupo ao qual venha a associar-se’.” (177)

ARENDT, Hannah. Da revolução, 2ªed. Brasília: Universidade de Brasília & Ática, 1963.


Arendt faz um louvor da riqueza “natural” dos EUA, se gaba da “democracia” e da “igualdade” em seu país. Caçoa, faz chacota, zomba dos pobres “desesperados” e “infelizes” que se unem a revolucionários igualmente “desesperados”. Debocha com certa erudição da sociologia e da psicologia, as “ciências desmistificadoras”. Mofa dos historiadores das revoluções. Zomba da pretensão da URSS de ultrapassar economicamente o Ocidente. Afirma com veemência a impossibilidade de uma revolução dos pobres ser vitoriosa. Reconhece que seu país apóia os mais sórdidos governos numa política exterior incoerente com seu discurso de “liberdade” e “igualdade”. Se recusa a acreditar que seu pais, “democrático” e “igualitário”, está em guerra, contra uma superpotência inimiga e potencialmente deletéria, por questões de divisão de espaço econômico e político (econômico e político e não político e econômico, explicarei: o poder político é sustentado pelo econômico, aquela disputa foi essencialmente econômica). Se decide, como que ingenuamente, a acreditar que a Guerra Fria, que está sendo travada ante seus olhos, é um conflito entre a “democracia” e a “tirania”, entre “a livre expressão” e a “intolerância”. Recusa-se a enxergar.

Será mesmo que ela era tão ingênua, a ponto de acreditar entusiasticamente, como uma verdadeira patriota, um verdadeiro AMERICANO, que seu país leva a democracia aos quatro cantos do mundo?

Um dos recursos utilizados por Arendt para desmascarar a “falsidade” dos líderes das revoluções dos séculos XIX e XX foi o de revelar partes de suas biografias, de seus interesses pessoais, de fato ela consegue difamar a maioria dos líderes das revoluções, alguns, como Marx e Lênin, ela não teve como ofender a reputação, mas esses eram tão poucos que não se deu o trabalho

Eu mesmo não gosto de utilizar esse recurso tão valioso para argumentação de Arendt, recurso inclusive muito utilizado quando não se tem argumentos sólidos que rebatam “boas intenções”. Correndo o risco de praticar aquilo que condeno, digo que havia grandes motivos, pessoais mesmo, para Arendt não ver com bons olhos a revolução e os revolucionários do século XX, um deles era o medo do “aniquilamento total” por uma guerra nuclear (parece engraçado mais não é, na época os rumores de conflito nuclear eram apocalípticos), outro era o fato de ser americana e orgulhosa da “igualdade” e da “democracia” de seu país, outro, para mim o mais importante, era o fato de ela ser financiada pela Fundação Rockefeller, ora, sabemos muito bem que o financiamento pode eventualmente conduzir as “pesquisas”, principalmente em ciências sociais.

O fato curioso é alguns estudantes das ciências sociais acreditarem que a Arendt era socialista! Mais curioso ainda é um estudante do curso de medicina como eu se ocupar de assuntos tão “desinteressantes” como as revoluções e o comportamento da sociedade!

Há uma frase de Arendt que é digno de nota, a que TODOS deveriam prestar atenção: “Na disputa que hoje divide o mundo, e na qual tanta coisa está em jogo, provavelmente ganharão aqueles que entenderem de revolução”