segunda-feira, 2 de março de 2009

Herbert de Souza, o Betinho, e o pensamento positivo

“...eu descobri também isso, que quando a gente aposta na dimensão negativa, a gente colhe a dimensão negativa. O pessimista sempre colhe a desgraça. Agora, quando a gente aposta na dimensão positiva, na solidariedade, também colhe a dimensão positiva. Acho que é uma coisa perigosíssima admitirmos, em princípio, que as pessoas são ruins, que as pessoas são más, egoístas e covardes. Acho que devemos partir do princípio oposto, e apostar nisso.”

“Há um caso ilustrativo. Meu filho de 5 anos e meio brincava sempre com duas crianças e, quando eu saí na televisão, no jornal ou no rádio, os dois amiguinhos desapareceram de nossa casa. A primeira reação nossa foi de profunda tristeza. Decidimos chamar a família, o pai e a mãe das duas crianças, e eles vieram. Aí demos, durante uma hora, um curso prático sobre hemofilia, depois mais meia hora sobre AIDS, as formas de transmissão. E os dois escutavam atentamente. E depois de duas horas de conversa a questão estava resolvida. No outro dia, cedo, as duas crianças amigas estavam lá brincando com nosso filho.”

“Esse exemplo só nos mostra o seguinte: a passividade, o pessimismo, a entrega ao que existe de pior, só reproduz o pior. Se nós não tivéssemos conversado com aquela família, provavelmente as crianças não estariam brincando com nosso filho...”

(trechos retirados de “Direitos humanos e...” da Comissão Justiça e Paz, ed. Brasiliense, p. 41)

Gilberto Freyre e sua querela com Marx

Demos a palavra a Freyre
“Estamos em face de uma revolução de tal amplitude que ao lado dela a chamada Revolução Industrial se amesquinhará num brinquedo sociológico; e a outro brinquedo sociológico ficará reduzida a Revolução Social julgada definitiva pelo Marxismo ortodoxo; e que importava – na sua primeira fase – em uma generalizada ditadura do Proletariado, ou do Trabalho, ou dos seus agentes nem sempre fiéis, sobre as sociedades libertadas do capitalismo burguês.”

“Sabemos hoje que semelhante concepção de uma revolução mundial está de todo ultrapassada – solução já sem sentido”

“Caminhamos para um mundo socialmente novo, não há dúvida: mas não através de uma revolução social à moda Marxista e sim através de uma revolução total que tem dede já por causa a automatização. A automatização e a automação.”

“Pela automatização, o Homem se libertará tanto do que na civilização é burguesismo como do que nela pretende ser trabalhismo estritamente antiburguês no sentido da glorificação de um elemento da civilização – o trabalhador – que pelo fato de ser o trabalho humano o centro de toda civilização moderna, deveria ser considerado o senhor de seus antigos senhores”

“Isto pela simples razão de que, com a automatização, aquele proletariado tende a reduzir-se a um número insignificante”

“Dentro de uma civilização automatizada desaparecerá – segundo os melhores indícios sociológicos – o atual antagonismo capitalista trabalhador para se estabelecerem novas formas de relação entre os homens. E o problema central para esses homens, o maior desafio à sua inteligência, ao seu gênio, à sua ciência, à sua arte, à sua técnica, não será da organização do trabalho mas a da organização do lazer”

“A revolução pela automatização – para a qual caminhamos com rapidez tal que não só o chamado Comunismo Russo como o próprio Trabalhismo inglês já se estão tornando ‘ismos’ de museu sociológico”
(Trechos retirados do Prefácio à terceira edição de Sobrados e Mucambos, 1961)

Pontos básicos:
1) a “revolução pela automatização” é da grandeza da revolução industrial
2) é ultrapassada e inviável a “Revolução Social”
3) a automatização rebaixará o trabalho - e o trabalhador - do centro da organização da civilização
4) a automatização destruirá o “atual antagonismo capitalista-trabalhador para se estabelecerem novas formas de relação entre os homens”
5) a automatização reduzirá o número de trabalhadores a cifras insignificantes
6) a automatização libertará o homem da necessidade de trabalho
7) o lazer será a preocupação e a atividade principal da humanidade após a automatização

Demos a palavra a Marx:

Nesses recortes Marx fala da automação e do papel das máquinas no sistema de economia capitalista, se pode fazer paralelo com a opinião de Freyre, vejamos o contraste de opiniões, vejamos o enfoque diferente dos comentários:

“As máquinas propriamente ditas datam do final do século XVIII”. “A máquina é uma reunião de instrumentos de trabalho, e não uma combinação de trabalhos para o próprio operário”.
“Ferramentas simples, acumulação de ferramentas, ferramentas compostas, colocação em movimento de uma ferramenta composta por apenas um motor manual, pelo homem, colocação em movimento dessas ferramentas por forças naturais, máquina, sistemas de máquinas tendo um autônomo por motor – eis a marcha das máquinas”.

“À medida que a concentração dos instrumentos se expande, a divisão [do trabalho] expande-se também e vice versa”. “A invenção das máquinas acabou por separar a indústria manufatureira da indústria agrícola”. “Antes da invenção das máquinas, a indústria de um país trabalhava principalmente com matérias-primas que eram produtos de seu próprio solo. Graças à aplicação das máquinas e do vapor, a divisão do trabalho pôde assumir tais dimensões que a grande indústria, destacada do solo nacional, depende unicamente do mercado universal, das trocas internacionais, de uma divisão de trabalho internacional”

“A oficina automática marcou seu início por atos que nada tinham de filantrópicos. As crianças foram mantidas no trabalho a golpes de chicote: fazia-se delas objeto de tráfico”. “Enfim, desde 1825, quase todas as novas invenções resultaram das colisões entre o operário e o empresário que procurava a qualquer custo depreciar a especialização do operário. Após cada nova greve, mesmo pouco importante, surgia uma nova máquina”. “O operário (...) no século XVIII resistiu durante muito tempo ao império nascente da automação”.

“pela introdução das máquinas (...) a tarefa do operário dentro da oficina tornou-se mais simples, o capital agrupou-se , o homem foi mais despedaçado”.

“na oficina automática é que o trabalho perdeu todo o caráter de especialidade”. “A oficina automática apaga as espécies e o idiotismo do ofício”.

“Os economistas afirmam aos operários: não façam, mais coalizões. Fazendo-o, entravarão a marcha regular da indústria, impedirão os fabricantes de atender os pedidos, perturbarão o comércio e precipitarão a invasão das máquinas que, tomando o seu trabalho parcialmente inútil, lhes forçarão a aceitar um salário ainda mais baixo”.

“Apesar de uns e outros, apesar dos manuais e das utopias, as coalizões não deixaram um só instante de marchar e de crescer com o desenvolvimento e o crescimento da indústria moderna”. “A Inglaterra, onde a indústria atingiu o mais alto grau de desenvolvimento, possui as coalizões mais vastas e mais bem organizadas”. “A formação dessas greves, coalizões e trade-unions caminha simultaneamente com as lutas políticas dos operários”

(Trechos retirados de “Miséria da Filosofia”)

Pontos básicos da opinião de Marx

1) a automação não é fenômeno diverso da revolução industrial (como parece afirmar Freyre), mas um momento na evolução da revolução industrial o qual se inicia já no séc. XVIII
2) a automação não reduz os antagonismos de classe (como parece afirmar Freyre), ela é proveniente desses antagonismos e os acentua, ela é causa e efeito dos antagonismos das classes.
3) a automação é uma arma do capitalista contra o operário, pela automação se reduz o valor do trabalho ( de certa forma Freyre não discorda disso).
4) a automação não rebaixa o trabalho (o contrário do que afirma Freyre), ela o torna ainda mais mundial, ainda mais internacional, ainda mais universal, ela leva o trabalho a todos os cantos da terra.
5) a automação por si só não é suficiente para barrar o movimento de organização do operariado como classe (como crê Freyre e os “economistas”), nem pode barrar suas reivindicações de poder, no fundo ela contribui para a reunião dos trabalhadores em torno de interesse comum da classe, na medida em que “apaga as espécies e o idiotismo do ofício”. Nesse sentido a automação é revolucionária, no sentido de impulsionar a revolução social, e não de barrá-la (como parece apontar Freyre).

Uma explicação para a “ingenuidade” de Freyre:

Os pensadores clássicos do contrato social teorizaram a lei e o Estado como instâncias de superação das divisões internas da sociedade civil, eram otimistas na crença de que os interesses antagônicos das classes seriam unificados no Estado e na lei.

Para Marx essa saída não passa de ilusão, de falsa consciência, de ideologia. “Como se explica”, questiona Marx, “que vivemos em sociedades nas quais as desigualdades econômicas, sociais, culturais, e as injustiças políticas se ofereçam como não sendo desigualdades nem injustiças porque a lei e o estado de direito afirmam que todos são livre e iguais?”1, ele mesmo responde, “a sociedade capitalista, constituída pela divisão interna de classes e pela luta entre elas, requer para seu funcionamento a fim de recompor-se como sociedade, aparecer como indivisa”1.

Essa necessidade de a sociedade capitalista “aparecer como indivisa” – primeiramente teorizada pelos contratualistas na personificação do Estado e da lei como instâncias reconciliadoras das divisões internas da sociedade – reaparece agora em Freyre personificada na automatização. Ele aposta na automatização como forma de reconciliar o irreconciliável, não mais por meio do estado ou da lei, ou de outra instância transcendente, mas pelas maquinas, que substituindo o homem na produção, permitam finalmente a extinção do trabalhador e a emergência da burguesia, da classe dominante, das Casas-grandes e dos Sobrados agora livres do incômodo que é a classe trabalhadora e suas reivindicações de poder.

Essa reconciliação, na verdade, esconde algo mais profundo (e muito diferente da reconciliação almejada pelos contratualistas), é uma aposta no fim do proletariado, uma aposta na vitória final do Sobrado moderno – o arranha-céu – sobre o Mucambo – a favela. Vitória que se dá através da extinção física mesmo dos trabalhadores, que deixaram de ser indispensáveis, que deixaram de ser necessários, que merecem então perecer. Que vão inevitavelmente desaparecer.

Nesta aposta o fim da contradição se faz pela extinção da força mais fraca: o trabalhador.

É assim que explico essa “ingenuidade” de Freyre. Na verdade é uma aposta que expressa um desejo de classe, o desejo da Casa-grande, do Sobrado, o desejo dos arranha-céus de Brasília.

A aposta de Marx:

Por outro lado há a aposta de Marx no proletariado vitorioso, aposta que leva em conta a automatização como fator que iguala e encerra todos os trabalhadores num patamar comum, forçando-os a ver a necessidade de uma luta “universal”, uma luta de todos os trabalhadores. Nesse sentido a automação se torna condição de possibilidade para a revolução social. Uma aposta radicalmente contrária à de Freyre.

Minha aposta:

Tendo a fazer fé na aposta de Marx, pois vejo que muito ao contrário do que diz Freyre a automatização jamais reduziu o proletariado a pequenas cifras, ela jamais nos libertou da necessidade de trabalho e jamais destruiu o antagonismo capitalista-trabalhador. Sou menos otimista que Marx, se isso é uma aposta, há sempre possibilidade de derrotas, essa luta não está decidida de antemão. Mas em certo sentido era exatamente isso que Marx queria dizer: que a história é devir, que o futuro não é mera repetição do presente e que nada está decidido desde o princípio, não se pode prever com 100% de certeza.


1: retirado de “Direitos humanos e...” da Comissão Justiça e Paz, ed. Brasiliense,

Marilena Chauí: o medo, o Estado, a declaração de direitos humanos, a propriedade, a luta de classes e o caminho histórico das democracias


“... o advento da sociedade moderna altera o sentido do medo, que se torna muito mais difuso do que antes e se manifesta como medo da violência dos indivíduos contra os indivíduos, medo do poder e medo do tempo. É nesse contexto que a teoria do direito natural nasce. Os autores clássicos afirmam que, por natureza, os homens são iguais e livres, mas ressalvam que, em estado de natureza, os homens não conseguem garantir seus direitos naturais; para garanti-los, recorrem ao contrato social, a partir do qual os homens decidem alienar seus direitos naturais a uma instância soberana. Essa instância é o Estado.”

“Isto significa, donde o otimismo desses pensadores, que a posição de um pólo político separado da sociedade, no qual esta possa superar suas divisões internas e perceber-se unificada, confere à legalidade o estatuto da legitimidade: a lei se anuncia como a visibilidade sócio-política da justiça.”

“Esse otimismo republicano que vigorará na Revolução Francesa e que sustenta a declaração dos direitos do homem e do cidadão, isto é, os direitos naturais e os direitos civis, é o que desaparecerá quando, no século XIX, os movimentos populares e proletários revelarem a injustiça das leis e a inexistência concreta dos direitos declarados.”

“Marx indaga: Como se dá a passagem da relação pessoal de dominação à dominação impessoal por meio do Estado e, portanto, da lei e do direito? E como se explica que vivemos em sociedades nas quais as desigualdades econômicas, sociais, culturais, e as injustiças políticas se ofereçam como não sendo desigualdades nem injustiças porque a lei e o estado de direito afirmam que todos são livre e iguais? Como explicar que o Estado funcione com aparato policial repressivo, cause medo, em vez de nos livrar do medo?”

“Uma das respostas de Marx às suas próprias perguntas é bastante conhecida: a sociedade capitalista, constituída pela divisão interna de classes e pela luta entre elas, requer para seu funcionamento a fim de recompor-se como sociedade, aparecer como indivisa. A indivisão se propõe de duas maneiras. Em primeiro lugar no interior da sociedade civil, pela afirmação de que há indivíduos e não classes sociais, o que nega a existência das divisões sociais, o ocultamento da divisão em classes se faz pelo Estado, oferecendo-se como pólo de universalidade, generalidade e comunidade imaginárias.”

“A resposta de Marx enfatiza que o estado de direito é uma abstração, pois a igualdade e a liberdade postuladas pela sociedade civil e promulgadas pelo Estado não existem. Nesse sentido os diretos do homem e do cidadão, além de serem ilusórios, estão a serviço da exploração e da dominação.”

“A verdade das colocações de Marx transparece quando examinamos tanto a declaração dos direitos de 1789 quanto a declaração dos direitos humanos de 1948, pois em ambas a propriedade privada é declarada um direito do homem e do cidadão. Em nossas sociedades, a lei e o Estado, que devem proteger a propriedade privada, porque esta é um direito do homem e do cidadão, só poderão defendê-la contra os sem-propriedade, a defesa do direito de alguns significa a coerção, a opressão, a repressão e a violência sobre os outros, no caso, sobre a maioria. E não será casual que o crime em nossa sociedade seja preferencial e primordialmente definido como crime contra a propriedade, uma vez que mesmo a vida é definida como propriedade privada da pessoa. Assim, somos forçados a reconhecer que as declarações modernas dos diretos humanos trazem consigo a violência e produzem medo.”

“Com efeito, para que a propriedade privada possa ser tida como um direito, é preciso que os outros direitos sejam também declarados para legitimá-la. É preciso, por exemplo, que os não proprietários sejam considerados também proprietários – do seu corpo, de sua pessoa e da força de trabalho – por outro lado, para que o mercado receba mão-de-obra qualificada é preciso assegurar o aprendizado, daí declarar-se que são todos seres racionais – e livres.”

“Observamos, assim, que cada direito, uma vez proclamado, abre campo para a declaração de novos direitos e que essa ampliação das declarações de direitos entra em contradição com a ordem estabelecida. Podemos dizer que as declarações de direitos afirmam mais do que a ordem estabelecida permite e afirmam menos do que os direitos exigem.”

“Essa contradição é a chave da democracia moderna, pois a classe dominante moderna, liberal ou conservadora, jamais foi nem pode ser democrática, e, se as democracias fizeram um caminho histórico, isto se deve justamente às lutas populares pelos direitos que, uma vez tendo sido declarados, precisam ser reconhecido e respeitados. A luta popular pelos direitos e pela criação de novos direitos tem sido a história da democracia moderna.”

(Trechos retirados de “Direitos humanos e...” da Comissão Justiça e Paz, ed. Brasiliense, p.20-26)

Imigrantes & migrantes

Europeus e nordestinos na formação econômica do Brasil

Introdução

­Foi lendo o Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, numa tarde de quinta feira que me inspirei para confeccionar esse texto. Não sei como classificá-lo. Se artigo, se dissertação, se crônica, se simples texto para amigos lerem. Em fim. Alguém saberá enquadrá-lo.
Mas a história começa de súbito: o problema da mão de obra na economia de transição para o trabalho assalariado.
Não se assuste. O texto é leve como um fio de cabelo. É por esse fio do raciocínio que vamos seguir agora.


Economia cafeeira
& o Imigrante europeu


No “Brasil Império” foram criadas “colônias” para imigrantes europeus, principalmente os de “raça” diferente da dos colonizadores portugueses. Era dada preferência para Germânicos...
Você deve se perguntar: e daí?
E daí que o europeu de raça pura era convidado para fundar colônias de povoamento em várias regiões do País, principalmente nas melhores terras da região Sul. Suas despesas com o transporte e instalação eram pagas pelo governo imperial, até obras artificiais eram feitas pelo governo para empregar o colono de raça pura.
Nesse ponto poderíamos pensar: bom para eles!
É! deveras, no entanto, era só o governo deixar as “colônias” por conta própria que elas definhavam a uma simples economia de subsistência...
Viajantes europeus passando pela região Sul se admiravam com a involução dos colonos de raça pura e culpavam o governo do império escravista pela situação. Resultado: “já em 1859 se proibia a emigração alemã para o Brasil”, segundo Furtado.
O maior problema econômico da época era justamente a falta de mão-de-obra para suprir a demanda da economia cafeeira. Os escravos, que sempre foram mão, braços e pés da economia brasileira até então (século XIX), estavam em falta no mercado, pois a importação foi grandemente dificultada pela Inglaterra e pelas próprias leis brasileiras. Além disso, o crescimento vegetativo da população escrava era negativo, resultado da extrema exploração dessa mercadoria.
Ainda restava a mão-de-obra livre dos centros urbanos, que poderia suprir a demanda cafeeira, mas o trabalhador livre da cidade tem dificuldade de se adaptar ao trabalho nas fazendas de café.
Por ultimo, podemos voltar os olhos para os trabalhadores livres do setor de subsistência espalhados pelo País em decorrência da decadência da economia do ouro e do açúcar. Mas exatamente por estarem espalhados era bastante difícil reuni-los. Era necessário a cooperação das elites regionais para mobilizar uma massa de trabalhadores compatível com a empresa cafeeira. Entretanto essa cooperação nunca existiu, é obvio que uma elite não se desfaz de sua fonte de riqueza: os trabalhadores.
Para solucionar o problema da falta de mão-de-obra cogitou-se estimular e imigração de europeus, que na época eram tidos como mão de obra de superior qualidade em relação ao nativo brasileiro, apesar de as primeiras colônias européias demonstrarem a involução do elemento europeu estabelecido. Os esforços do governo imperial no sentido de resolver o problema da mão-de-obra fracassaram, pois a imigração era direcionada para “colônias de povoamento”, o imigrante não era atraído para lavoura do café. Com efeito, a elite cafeeira, ela mesma, passa a incentivar a imigração européia para a lavoura do café. O senador Vergueiro foi pioneiro nessa iniciativa, que logo foi imitada por muitos empresários do café. O governo financiava a imigração, o “colono” pagava tudo com seu trabalho, e o latifundiário ficava com o benefício. Logo houve um reação na Europa contra esse sistema de servidão/escravidão disfarçado.
Como o problema da mão-de-obra se agravava, as políticas de incentivo à imigração européia se modificaram: agora o governo se encarregava de pagar as passagens e a instalação do imigrante, foi assegurado um salário base fixo e outro variável com a produção, também dispunha o imigrante de uma porção de terra para plantar o essencial ao alimento da família.
Com esse pacote de medidas o fluxo de imigrantes cresceu exponencialmente. E ainda houve um forte impulso para emigração proveniente do sul da península itálica devido à reunificação da Itália, o que gerou desorganização das indústrias do sul, assim a emigração constituiu excelente “válvula de escape” desse excedente de mão-de-obra no sul da Itália.

“O número de imigrantes europeus que entraram [no estado de São Paulo] sobe de 13 mil, nos anos 70, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no ultimo decênio do século. O total para o ultimo quartel do século XIX foi 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália.” (Furtado)


O migrante nordestino
& ciclo econômico da borracha


Agora é que começa a fazer sentido o título do texto “Imigrantes & migrantes”. Nesse momento decisivo o leitor pode (1) abandonar a leitura: por ter sido bastante inútil até o momento, ou (2) continuar a leitura: para entender a lógica picaresca do título e do estilo do texto. Acredito que após um período longo de silencio desse narrador, que vem se atendo aos fatos, o texto possa se tornar enfadonho, prometo que vou parar com freqüência para fazer gracejos comportados bem ao estilo machadiano...
...o ciclo da borracha foi uma anomalia na economia brasileira, numa época em que a revolução industrial estava a todo vapor na Europa, a procura da borracha aumentava muitíssimo e juntamente com o crescimento da procura subiam os preços, que chegaram a decuplicar em pouco mais de 50 anos, entre o fim do século XIX e início do século XX.
Assim como no caso do café o ciclo da borracha exigia utilização de mão de obra em larga escala, a borracha era um produto de extração e exigia a ocupação de vastas áreas na floresta amazônica. A mão-de-obra indígena não estava mais a disposição em quantidade suficiente. Foi preciso lançar mão das mais sórdidas e enganadoras formas de atrair o trabalhador nordestino, que na época sofria com a seca (em verdade o nordestino sofria com a crise estrutural do setor algodoeiro e açucareiro). Aproveitando-se do ensejo da grande seca de 1877-80, que enfraquecia o poder das elites regionais do nordeste, os estados amazônicos organizavam serviços de propaganda e concediam subsídios para recrutar trabalhadores nordestinos.
Esse processo migratório mobilizou mais de meio milhão de nordestinos. Demonstrando que o problema da mão-de-obra para o café poderia ser resolvido com o estoque interno de trabalhadores.
Os trabalhadores nordestinos eram compelidos ao mais insalubre trabalho que combinava a solidão no meio da selva com os maiores perigos de uma floresta equatorial.
Com a desorganização do ciclo anômalo da borracha, devido a concorrência de paises da Ásia e posteriormente dos produtos sintéticos, o nordestino ficou desamparado sem poder voltar para sua terra, a distância era grande e a miséria não era menor.

“Se se comparam os dois grandes movimentos de população ocorridos no Brasil, em fins de século XIX e começo de XX, surgem alguns contrastes particularmente notórios. O imigrante europeu, exigente e ajudado por seu governo, chegava à plantação de café com todos os gastos pagos, residência garantida, gastos de manutenção assegurados até a colheita. Ao final do ano estava buscando outra fazenda em que lhe oferecessem qualquer vantagem. Dispunha sempre de terra para plantar o essencial ao alimento de sua família, o que o defendia contra a especulação dos comerciantes na parte mais importante de seus gastos. A situação do nordestino na Amazônia era bem diversa: começava sempre a trabalhar endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação. Para se alimentar dependia do suprimento que, em regime de estrito monopólio, realizava o mesmo empresário com o qual estava endividado e que lhe comprava o produto. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziam-no a um regime de servidão. Demais, os perigos da floresta e a insalubridade do meio encurtavam sua vida de trabalho. O contraste maior entre os dois movimentos migratórios resultaria, do desenvolvimento subseqüente das duas regiões. A economia cafeeira, em meio século de altos e baixos demonstraria ser suficientemente sólida para prolongar-se num processo de industrialização. Pela metade do século XX, sua população apresentaria um nível de vida relativamente elevado – pelo menos bem mais elevado que o das regiões do sul da Europa de onde havia emigrado. A economia da borracha, ao contrário, entraria em brusca e permanente prostração. Poucos anos depois estaria reduzida de forma permanente a condição de vida ainda mais precárias que havia conhecido em sua região de origem.” (Furtado)


Conclusão: o eterno migrante nordestino

E para não tomar mais o tempo do leitor farei uma rápida conclusão.
O nordestino continuou como um migrante interno ao longo de todo o século XX, agora sonhando com a “cidade grande”. Ainda ao início do século XXI o nordestino continua saindo de sua terra na esperança de acumular um pequeno patrimônio e depois retornar ao local de nascimento. A migração nordestina, longe de ser um processo espontâneo, é eminentemente um processo compulsório (Yná Andrigghetti, Nordeste: mito & realidade, 1998).
Não cairei na tentação de acusar o imigrante europeu pelo nosso infortúnio (como os europeus acusaram os judeus). Antes de tudo quero criar em mim mesmo e nos meus amigos a consciência de que o imigrante europeu é de certa forma um exemplo, não que o elemento europeu tenha sido mais competente no trabalho que o nordestino, não que seja mais trabalhador que o nordestino, como nos quer passar a mídia pela sua novela “Terra Nostra”, como querem fazer os próprios descendentes de imigrantes europeus “pelos estereótipos vinculados por eles, como os que proclamam a ‘burrice’ e a ‘preguiça’ dos nordestinos em contraste com a ‘inteligência’ e a ‘energia’ dos gaúchos” (Yná Andrigghetti), claro que com tanta ajuda do governo, tanto auxílio, tanta facilidade de acesso às melhores terras, qualquer um prospera! Mas um exemplo no sentido de um trabalhador que trás de berço a orientação e o conhecimento exato de seus direitos e de como deve exigi-lo dos governantes como na novela “Esperança”. Há um ditado popular que diz: “gaúcho onde chega quer separar”
Precisamos de nossa própria mídia. De nosso próprio egoísmo.
É para nossa vergonha que o nordestino continua sua peregrinação dentro do próprio país: em posições e condições piores que as reservadas para os “estrangeiros”!


Fim??