segunda-feira, 2 de março de 2009

Imigrantes & migrantes

Europeus e nordestinos na formação econômica do Brasil

Introdução

­Foi lendo o Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, numa tarde de quinta feira que me inspirei para confeccionar esse texto. Não sei como classificá-lo. Se artigo, se dissertação, se crônica, se simples texto para amigos lerem. Em fim. Alguém saberá enquadrá-lo.
Mas a história começa de súbito: o problema da mão de obra na economia de transição para o trabalho assalariado.
Não se assuste. O texto é leve como um fio de cabelo. É por esse fio do raciocínio que vamos seguir agora.


Economia cafeeira
& o Imigrante europeu


No “Brasil Império” foram criadas “colônias” para imigrantes europeus, principalmente os de “raça” diferente da dos colonizadores portugueses. Era dada preferência para Germânicos...
Você deve se perguntar: e daí?
E daí que o europeu de raça pura era convidado para fundar colônias de povoamento em várias regiões do País, principalmente nas melhores terras da região Sul. Suas despesas com o transporte e instalação eram pagas pelo governo imperial, até obras artificiais eram feitas pelo governo para empregar o colono de raça pura.
Nesse ponto poderíamos pensar: bom para eles!
É! deveras, no entanto, era só o governo deixar as “colônias” por conta própria que elas definhavam a uma simples economia de subsistência...
Viajantes europeus passando pela região Sul se admiravam com a involução dos colonos de raça pura e culpavam o governo do império escravista pela situação. Resultado: “já em 1859 se proibia a emigração alemã para o Brasil”, segundo Furtado.
O maior problema econômico da época era justamente a falta de mão-de-obra para suprir a demanda da economia cafeeira. Os escravos, que sempre foram mão, braços e pés da economia brasileira até então (século XIX), estavam em falta no mercado, pois a importação foi grandemente dificultada pela Inglaterra e pelas próprias leis brasileiras. Além disso, o crescimento vegetativo da população escrava era negativo, resultado da extrema exploração dessa mercadoria.
Ainda restava a mão-de-obra livre dos centros urbanos, que poderia suprir a demanda cafeeira, mas o trabalhador livre da cidade tem dificuldade de se adaptar ao trabalho nas fazendas de café.
Por ultimo, podemos voltar os olhos para os trabalhadores livres do setor de subsistência espalhados pelo País em decorrência da decadência da economia do ouro e do açúcar. Mas exatamente por estarem espalhados era bastante difícil reuni-los. Era necessário a cooperação das elites regionais para mobilizar uma massa de trabalhadores compatível com a empresa cafeeira. Entretanto essa cooperação nunca existiu, é obvio que uma elite não se desfaz de sua fonte de riqueza: os trabalhadores.
Para solucionar o problema da falta de mão-de-obra cogitou-se estimular e imigração de europeus, que na época eram tidos como mão de obra de superior qualidade em relação ao nativo brasileiro, apesar de as primeiras colônias européias demonstrarem a involução do elemento europeu estabelecido. Os esforços do governo imperial no sentido de resolver o problema da mão-de-obra fracassaram, pois a imigração era direcionada para “colônias de povoamento”, o imigrante não era atraído para lavoura do café. Com efeito, a elite cafeeira, ela mesma, passa a incentivar a imigração européia para a lavoura do café. O senador Vergueiro foi pioneiro nessa iniciativa, que logo foi imitada por muitos empresários do café. O governo financiava a imigração, o “colono” pagava tudo com seu trabalho, e o latifundiário ficava com o benefício. Logo houve um reação na Europa contra esse sistema de servidão/escravidão disfarçado.
Como o problema da mão-de-obra se agravava, as políticas de incentivo à imigração européia se modificaram: agora o governo se encarregava de pagar as passagens e a instalação do imigrante, foi assegurado um salário base fixo e outro variável com a produção, também dispunha o imigrante de uma porção de terra para plantar o essencial ao alimento da família.
Com esse pacote de medidas o fluxo de imigrantes cresceu exponencialmente. E ainda houve um forte impulso para emigração proveniente do sul da península itálica devido à reunificação da Itália, o que gerou desorganização das indústrias do sul, assim a emigração constituiu excelente “válvula de escape” desse excedente de mão-de-obra no sul da Itália.

“O número de imigrantes europeus que entraram [no estado de São Paulo] sobe de 13 mil, nos anos 70, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no ultimo decênio do século. O total para o ultimo quartel do século XIX foi 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália.” (Furtado)


O migrante nordestino
& ciclo econômico da borracha


Agora é que começa a fazer sentido o título do texto “Imigrantes & migrantes”. Nesse momento decisivo o leitor pode (1) abandonar a leitura: por ter sido bastante inútil até o momento, ou (2) continuar a leitura: para entender a lógica picaresca do título e do estilo do texto. Acredito que após um período longo de silencio desse narrador, que vem se atendo aos fatos, o texto possa se tornar enfadonho, prometo que vou parar com freqüência para fazer gracejos comportados bem ao estilo machadiano...
...o ciclo da borracha foi uma anomalia na economia brasileira, numa época em que a revolução industrial estava a todo vapor na Europa, a procura da borracha aumentava muitíssimo e juntamente com o crescimento da procura subiam os preços, que chegaram a decuplicar em pouco mais de 50 anos, entre o fim do século XIX e início do século XX.
Assim como no caso do café o ciclo da borracha exigia utilização de mão de obra em larga escala, a borracha era um produto de extração e exigia a ocupação de vastas áreas na floresta amazônica. A mão-de-obra indígena não estava mais a disposição em quantidade suficiente. Foi preciso lançar mão das mais sórdidas e enganadoras formas de atrair o trabalhador nordestino, que na época sofria com a seca (em verdade o nordestino sofria com a crise estrutural do setor algodoeiro e açucareiro). Aproveitando-se do ensejo da grande seca de 1877-80, que enfraquecia o poder das elites regionais do nordeste, os estados amazônicos organizavam serviços de propaganda e concediam subsídios para recrutar trabalhadores nordestinos.
Esse processo migratório mobilizou mais de meio milhão de nordestinos. Demonstrando que o problema da mão-de-obra para o café poderia ser resolvido com o estoque interno de trabalhadores.
Os trabalhadores nordestinos eram compelidos ao mais insalubre trabalho que combinava a solidão no meio da selva com os maiores perigos de uma floresta equatorial.
Com a desorganização do ciclo anômalo da borracha, devido a concorrência de paises da Ásia e posteriormente dos produtos sintéticos, o nordestino ficou desamparado sem poder voltar para sua terra, a distância era grande e a miséria não era menor.

“Se se comparam os dois grandes movimentos de população ocorridos no Brasil, em fins de século XIX e começo de XX, surgem alguns contrastes particularmente notórios. O imigrante europeu, exigente e ajudado por seu governo, chegava à plantação de café com todos os gastos pagos, residência garantida, gastos de manutenção assegurados até a colheita. Ao final do ano estava buscando outra fazenda em que lhe oferecessem qualquer vantagem. Dispunha sempre de terra para plantar o essencial ao alimento de sua família, o que o defendia contra a especulação dos comerciantes na parte mais importante de seus gastos. A situação do nordestino na Amazônia era bem diversa: começava sempre a trabalhar endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação. Para se alimentar dependia do suprimento que, em regime de estrito monopólio, realizava o mesmo empresário com o qual estava endividado e que lhe comprava o produto. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziam-no a um regime de servidão. Demais, os perigos da floresta e a insalubridade do meio encurtavam sua vida de trabalho. O contraste maior entre os dois movimentos migratórios resultaria, do desenvolvimento subseqüente das duas regiões. A economia cafeeira, em meio século de altos e baixos demonstraria ser suficientemente sólida para prolongar-se num processo de industrialização. Pela metade do século XX, sua população apresentaria um nível de vida relativamente elevado – pelo menos bem mais elevado que o das regiões do sul da Europa de onde havia emigrado. A economia da borracha, ao contrário, entraria em brusca e permanente prostração. Poucos anos depois estaria reduzida de forma permanente a condição de vida ainda mais precárias que havia conhecido em sua região de origem.” (Furtado)


Conclusão: o eterno migrante nordestino

E para não tomar mais o tempo do leitor farei uma rápida conclusão.
O nordestino continuou como um migrante interno ao longo de todo o século XX, agora sonhando com a “cidade grande”. Ainda ao início do século XXI o nordestino continua saindo de sua terra na esperança de acumular um pequeno patrimônio e depois retornar ao local de nascimento. A migração nordestina, longe de ser um processo espontâneo, é eminentemente um processo compulsório (Yná Andrigghetti, Nordeste: mito & realidade, 1998).
Não cairei na tentação de acusar o imigrante europeu pelo nosso infortúnio (como os europeus acusaram os judeus). Antes de tudo quero criar em mim mesmo e nos meus amigos a consciência de que o imigrante europeu é de certa forma um exemplo, não que o elemento europeu tenha sido mais competente no trabalho que o nordestino, não que seja mais trabalhador que o nordestino, como nos quer passar a mídia pela sua novela “Terra Nostra”, como querem fazer os próprios descendentes de imigrantes europeus “pelos estereótipos vinculados por eles, como os que proclamam a ‘burrice’ e a ‘preguiça’ dos nordestinos em contraste com a ‘inteligência’ e a ‘energia’ dos gaúchos” (Yná Andrigghetti), claro que com tanta ajuda do governo, tanto auxílio, tanta facilidade de acesso às melhores terras, qualquer um prospera! Mas um exemplo no sentido de um trabalhador que trás de berço a orientação e o conhecimento exato de seus direitos e de como deve exigi-lo dos governantes como na novela “Esperança”. Há um ditado popular que diz: “gaúcho onde chega quer separar”
Precisamos de nossa própria mídia. De nosso próprio egoísmo.
É para nossa vergonha que o nordestino continua sua peregrinação dentro do próprio país: em posições e condições piores que as reservadas para os “estrangeiros”!


Fim??

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