terça-feira, 6 de maio de 2008

Laranja Mecânica


Em nosso trabalho tentaremos deduzir as perspectivas da verdade sob o ponto de vista de três posições distintas tanto dentro como fora da estória contada pelo filme “Laranja Mecânica”. A saber: a posição da “personagem Protagonista”, a posição do “Estado”, que é o presumível antagonista, e a posição dos espectadores.

O Protagonista possui uma mente desequilibrada, é um verdadeiro psicopata. Ele de fato não compreende todo plano arquitetado pelo Estado para reduzi-lo a um “cidadão de bem”. Ora, o próprio “bem” para o Protagonista é um conceito totalmente distorcido, ele é incapaz de perceber os outros como iguais a si próprio. Para o Protagonista brigas entre gangues, assaltos e estupros não são contrários ao que é “de bem”, pois ele não é diretamente afetado quando pratica tais torpezas. Dessa forma ele pouco se importa com o que a sociedade pensa sobre seus atos de vandalismo. Em seus devaneios ele sonha dar chibatadas no próprio Cristo, ele sempre aparece como o que para todos é “o mal”, mas que para ele é “o bem”. A verdade para o Protagonista é que ele é a vítima, ou melhor, que ele é o carrasco.

O Estado é uma variável muito traiçoeira. Tem o dever de impor a ordem e o respeito entre os cidadãos, fará de tudo para não perder apoio popular. A estratégia era clara, utilizar a ciência para controlar a mente despreparada do Protagonista. Com isso o Estado não precisava usar de violência explícita, mas de fato a ciência é uma arma de alto teor de violência velada. As técnicas de tortura utilizadas pelos médicos eram realmente muito mais dolorosas e eficazes que as empregadas com freqüência pela polícia. A própria polícia era composta de baderneiros e psicopatas em potencial (os companheiros do Protagonista passaram a integrar o quadro da polícia) e não inspirava segurança nem respeito aos “cidadãos de bem”. Era fundamental para o Estado criar mecanismos que inspirassem segurança e que fossem eficazes; nesse caso a ciência era perfeita, pois reunia em si essas qualidades admiradas pelo “cidadão de bem”. Mas no desenrolar da trama essa estratégia não funciona. Um grupo de “humanistas”, formado por “cidadãos de bem”, denuncia para sociedade a tortura praticada pelo Estado contra o Protagonista. Após a denúncia o Estado muda de posição com relação ao Protagonista, passando a tratá-lo como amigo e custeando um processo de reversão (até cirúrgica!) da “lavagem cerebral”. Como um camaleão o Estado muda de aparência. Desde o inicio o Estado utiliza o Protagonista como um meio de propaganda. Para o Estado a verdade é que o apoio popular deve ser alcançado a qualquer custo.

Do nosso ponto de vista o filme nos mostra que não há mesmo um mocinho nessa estória. O Protagonista é um carrasco, o Estado é dissimulador, os médicos são torturadores, os policiais são presumíveis baderneiros e psicopatas em potencial, os humanistas são vingadores e a própria sociedade não poderia fugir a esse perfil desequilibrado. O que nos fica bastante claro é a denúncia da ciência como sendo um poderoso mecanismo de utilidade do estado, exatamente na mesma linha coercitiva da polícia, porém com um teor ainda maior de violência subjetiva. Mais ainda, a ciência sempre se apresenta como a solução dos problemas, como a única alternativa civilizada, como a detentora da verdade empírica. Somente um exemplo: a ciência diz: “contra a fome temos os trans-gênicos”; e a sociedade (indiferente aos estragos ambientais e humanos, ou propositalmente desinformada) apóia em coro uníssono o benefício empiricamente comprovado ao cidadão de bem.

Dessa forma concluímos que “o cientista inventa uma flor que parece a razão mais segura de ninguém saber de uma outra flor que tortura, pois é pra que?” (Sidney Miller).

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